sexta-feira, 27 de junho de 2014

História da Espanha

Um Apanhado Sobre as Necessidades Comerciais
Em meados do século XV se iniciou uma crise de crescimento pela Europa. E as razões para isso podem ter sido as seguintes:adequação dos dois sistemas, o feudal (que predominava em toda a zona rural) e o capitalista (que predominava nos centros urbanos).
·                     A segunda razão se relacionava mais com o mercado internacional, que era principalmente abastecido pelos produtos do oriente. O grande número de intermediários tornava os produtos extremamente caros.
·                     Podemos considerar como um terceiro fato a falta de moedas na Europa, que eram escoadas para o Oriente no pagamento dos produtos e das especiarias.
Esses empecilhos ao crescimento só seriam superados se fossem encontrados novos mercados de produtos (principalmente alimentícios) e também novos consumidores de artesanato, atividade principal naquele período. 

Breve Panorama da Europa Mediterrânea na Época
Nos séculos XIII e XIV a peste negra dizimou mais de um terço da população européia, a fome, invadiu os campos, a Igreja Católica estava dividida e enfrentando algumas dissidências, inclusive pela diferença entre a opulência de setores eclesiásticos e a pobreza do povo. O humanismo estava surgindo a partir da Inglaterra, com ênfase no Homem e na esfera "imperfeita" das coisas da Terra.

Um Apanhado geopolítico da Europa Mediterrânea no início do século XV.  
Europa Mediterrânea no Século em Questão
A grande mudança em termos políticos na passagem para o século XV foi sem dúvida a formação das chamadas monarquias nacionais surgidas com a crise do feudalismo, enfraquecendo o poder local da nobreza e abrindo espaço para a ação política dos reis.
Podemos aqui enumerar alguns fatores que contribuíram para essa centralização do poder:
·                     Desenvolvimento Comercial e Urbano: A burguesia, nova classe social ligada ao comércio, tinha interesse nessa centralização do poder e numa unificação nacional, já que desejavam uma uniformização dos pedágios, pesos e medidas, moedas, ou seja, queriam ter condições para a conquista do mercado, principalmente o internacional.Além disso, a incorporação desses novos mercados poderia ser a única maneira de superar a crise do crescimento desse século XV.
·                     A Nobreza Busca a Ajuda do Rei: As condições extremamente desfavoráveis do final do século XIV e fatores como a peste por exemplo, que foi responsável pela morte de praticamente um terço da população européia, fizeram com que a escassez de mão de obra se tornasse um problema grave. Dessa maneira a opressão dos servos cresceu demais, o que certamente desencadeou uma série de revoltas camponesas.Com isso, a nobreza se sentiu obrigada a pedir o auxílio do rei, que numa situação como essas surgia como a única figura capaz de articular a aristocracia contra a massa.
Outros fatores também podem ser considerados como relevantes:
Península Ibérica:
·                     Existia a tradição da hereditariedade do poder real.
·                     O desenvolvimento do individualismo durante o renascimento pode ter criado a imagem de um rei verdadeiramente representante e protetor da nação.
  A Península passava por um momento de extrema importância em sua história. Após a expulsão dos muçulmanos da península formaram se os chamados estados independentes, como Aragão, Castela, Leão e também Navarra. Houve a separação de Leão do Estado de Portugal e da fusão dos quatro reinos restantes formou-se a Espanha em 1492.
Itália:
·                     As chamadas cidades - estado italianas já haviam conseguido sua autonomia dos senhores feudais no final do século XIII. A concorrência pelo mercado internacional gerava continuamente conflitos entre elas.
·                     A economia, apesar dos conflitos, era dinâmica e aberta ao mar. Uma prova disso é o acervo artístico gerado pelos excedentes da economia, que a tornaram o "berço do Renascimento Cultural", produzindo expoentes como Leonardo, Toscanelli, Michelangelo, e preparando o caminho para Galileu e Bruno.
    Por uma ou outra razão, a Itália, que mostrava condições para fazer a passagem do capitalismo comercial ao capitalismo industrial, não o fez. De outro lado, os conflitos contínuos entre as cidades, em particular entre Veneza (que dominava o comércio com o oriente) e as cidades da costa ocidental (Genova, Florença) acabou por dirigir o dinheiro dos bancos italianos à Península Ibérica, contribuindo para a realização dos "experimentos" do Infante D. Henrique. 

O Fim da Idade Média e a Ordem de Cristo
Os interesses econômicos para que se iniciasse uma expansão comercial e marítima expressavam os desejos e objetivos da burguesia mercantil, ansiosa em aumentar seus lucros. Já no plano político os interesses dessa classe eram o de apoio a centralização.
Mas onde conseguir um capital inicial para isso se até meados do século XV Portugal era um reino relativamente pobre?? (A riqueza nessa época se concentrava basicamente na Itália, Alemanha e Flandres)
Esse capital inicial, pelo menos uma grande porcentagem dele, veio provavelmente da rica Ordem de Cristo (antiga Ordem dos Templários)
Em 1098 Jerusalém foi conquistada pelos cristãos na primeira Cruzada, e em 1116 estava novamente cercada pelos árabes. Foi quando dois nobres franceses fizeram um voto de perpétua pobreza criando assim a ordem dos Cavaleiros Pobres de Cristo que depois veio a se chamar Ordem dos Templários.
A Ordem dos Templários era formada por monges guerreiros, suas normas eram secretas e só conhecidas na integridade pelo grão mestre da Ordem.
Tinham uma estrutura rígida: os iniciantes não tinham acesso às regras e conhecimentos da ordem. Tais conhecimentos somente lhes eram transmitidos à medida em que fossem promovidos, sempre em batalha.
Nessa época de Cruzadas os Templários receberam muitas propriedades por doação e herança, iniciando-se assim uma intensa atividade econômica. No interior de seus feudos introduziram algumas novidades como a criação de linhagem de cavalos em estábulos limpos. Instalaram uma rede de postos bancários ao longo de vários países: peregrinos que estavam a caminho da terra Santa podiam depositar seus bens em um certo ponto de partida, recebendo uma carta de crédito com o direito de retirar o equivalente em moeda local em outro posto.
Dessa forma conseguiram gerar quantias astronômicas de dinheiro e bens.
Com a queda da cidade Santa em 1244 e a expulsão das tropas cristãs na Palestina em 1291, a Ordem acabou sendo extinta por toda a Europa, menos em Portugal.
D. Deniz (1261-1325) decidiu garantir a permanência da Ordem em terras portuguesas sugerindo uma doação formal de todos os seus bens à coroa, mas nomeando um templário para cuidar deles. Em 1317 D. Deniz transferiu todo esse patrimônio para uma nova organização: A Ordem de Cristo. O Ensino de Ciência e as Universidades universidade de Salamanca na Espanha
Pode ser dito que, o que  conhecemos por Física hoje, só começou quando Galileu Galilei (1564-1642) implantou pela primeira vez o chamado método científico. Muitos historiadores apontam o ano de 1642 (ano da morte de Galileu e nascimento de Newton) como sendo o ano de nascimento da chamada Ciência Moderna.
Antes disso temos estudos na área de Astrologia, Matemática, mas muito mais desenvolvidos do que comumente se imagina. Pode se ter uma idéia mais clara consultando o trabalho escrito por Ptolomeu, em c. 150 DC conhecido como Almagest (O Maior). A Matemática era considerada uma das "artes maiores", juntamente com a Música e a Teologia. Era costumeiramente incluída no currículo de Medicina (Santillana68) nas Universidades européias em geral. Na Península Ibérica é possível que a Matemática de Ptolomeu tenha chegado mais tarde por obra dos conflitos entre muçulmanos e cristãos, já que foi através dos árabes que Almagest foi recuperado da Biblioteca de Alexandria.
Por exemplo em Portugal não existe nenhum tipo de documentação referente ao estudo de tais ciências antes do século XV. Nessa época em Portugal utilizava-se ainda a numeração romana; a numeração indo – arábica só foi introduzida no século em questão.
A Espanha parecia estar um pouco mais adiantada, já apresentando estudos referentes a Astronomia e Geometria.
É realmente possível que conhecimentos práticos desse tipo possam ter chegado à Portugal trazidos por astrólogos e cartógrafos judeus, como veremos, mas não às Universidades portuguesas.
No que se refere ao ensino, a instrução nos países cristãos ficava quase que em sua totalidade a cargo do clero, que o fazia em algumas catedrais, mosteiros e até mesmo universidades dirigidas pelo próprio clero. (Coimbra96)
Na Universidade de Coimbra ensinava-se  Direito e Medicina (o currículo de Medicina muitas vezes incluía a Matemática). Não se ensinava a Astronomia, por exemplo, por julgarem ser uma ciência de pouca utilidade pelo menos até aquele momento.
Nessa mesma época estava sendo ensinada a Astronomia na Universidade de Salamanca, na Espanha.
Existia uma certa diferença entre os principais centros Ibéricos de estudo da época:
A Escola Muçulmana de Córdoba e Sevilla tinha uma boa cultura de Aritmética, Álgebra e Geometria, mas as tratavam como ciências autônomas.
Na Escola Cristã de Toledo praticamente todo o estudo na área de Matemática girava em torno de sua aplicação à Astronomia.
E na Escola Portuguesa, fundada por D. Deniz (1261-1325), o estudo existia, mas era ainda mais restrito, visando apenas a aplicação de tais conhecimentos à náutica.  

 O Desenvolvimento da Instrumentação sob Influência da Náutica.
    Anteriormente a esse período a navegação era na maior parte de cabotagem, ou seja, seguindo o contorno da costa. Entretanto, na tentativa de contornar a costa africana os navegadores se viram obrigados a se afastar mais do continente, uma vez que já não se conseguia mais, a partir de um certo ponto, navegar perto da costa. Isto ocorria porque os ventos ali eram contrários, e impediam os navegantes a prosseguir a viagem. Era necessário se distanciar um pouco mais da costa para se conseguir bons ventos e, portanto, continuar a viagem. (manobra que viria a se chamar "A Volta do Mar")
Nessas novas viagens, os pilotos tiveram que recorrer ainda mais aos astros a fim de determinarem a latitude. Sabemos que o ponto de referência utilizado para medir a latitude era a estrela Polar (Coimbra96). Mas esse método de orientação por meio da estrela polar já não era mais aplicável quando se ultrapassava a linha do Equador. Os cosmógrafos propuseram então medir a latitude pela observação da altura do sol na sua passagem pelo meridiano do lugar. Existiam métodos antigos para essas medidas, como as tábuas das Índias e o astrolábio, que se desenvolveram muito nesse período.
 O astrolábio é um instrumento de origem grega, muito utilizado pelos árabes para diversos fins e cujo funcionamento estava minuciosamente descrito na obra "Libros del Saber de Astronomia" de Afonso X.
Os portugueses aparentemente utilizaram pela primeira vez esse método de determinação de latitude pelo judeu José Vizinho, que era um dos cosmógrafos de D. João II, em uma viagem a Guiné em 1485.(Coimbra96)
Para isso José Vizinho necessitava de uma tábua de declinações do Sol, e a conseguiu provavelmente com Abraão Zacuto, professor na universidade de Salamanca (Coimbra96). É possível que já existissem em Portugal desde as viagens de D. Pedro, irmão do Infante D. Henrique.
José Vizinho mantinha relações científicas com Abraão Zacuto, uma vez que esse fora seu mestre em Salamanca (Coimbra96). Mais tarde, em 1492, o próprio Zacuto veio para Lisboa para também ocupar o cargo de cosmógrafos do rei.
Provavelmente o astrônomo só veio para Portugal após a expulsão dos Judeus da Espanha, mas o que se sabe é que ele colaborou muito com os cosmógrafos portugueses (Coimbra96).

CRISTÓVÃO COLOMBO
O Almirante do Mar Oceano
Cristóvão Colombo era cardador de lã, cartógrafo, vendedor de livros, comprador de açúcar e marinheiro; era alto, bonito e de nariz aquilino; tinha as maçãs do rosto salientes, a face comprida salpicada de sardas, cabelos avermelhados, olhos azuis e um sorriso amável, que não refletia, porém, nenhum sentido humorístico da vida. Grande conversador que não desdenhava a auto-exaltação, era um homem decente, apesar da freqüência de suas descaídas, e a sua Descoberta da América foi o mais importante feito de coragem individual de toda a História.
Algumas das coesas que sabemos sobre Colombo são falsas. Por exemplo, o mito de que só ele acreditava que a Terra era redonda. Toda pessoa culta tinha essa crença! Ensinavam-na as escolas e as universidades. Havia mesmo, para quem quisesse comprar, globos terrestre, não muito diferentes dos que existem hoje em dia. Além disso, ao contrário do que indicam os retratos da época, Colombo nunca recorreu ao astrolábio para orientar-se. Navega por intuição e confiado em Deus e ninguém como ele para acertar com a entrada de um porto.
A partida de Colombo para o Ocidente foi uma empresa arriscada. Não foi porém, uma decisão tomada às cegas. Os portos da Europa andavam cheios de história de indivíduos que haviam efetuado tal viagem, no todo ou parte. Da Rainha da Sabá dizia-se que, viajando para o poente, transpuser a Espanha e adentrara-se pelo mar até à altura do Japão. Sete bispos portugueses, fugindo a perseguições, tinham ido parar numa ilha não distante de Cuba a que deram o nome de Antilha. E, naturalmente, Leif Ericsson já aportara são e salvo, com os seus patrícios noruegueses, numa parte do continente americano hoje conhecida por Nova Inglaterra.
Havia também um mapa traçado por um físico e astrônomo italiano chamado Toscanelli, considerado uma obra sólida e digna de confiança. Nele já aparecia a América corretamente situada. Além do que corpos humanos levados pela maré tinha dado às praias do Açores. Pareciam orientais, mas na verdade eram caraíbas. Troncos de árvores, que não podiam proceder da África, e nos quais se viam entalhaduras feitas à mão, tinha sido recolhidos do mar, assim como algas marinhas que só crescem na América.
Cristóvão Colombo nasceu em Gênova, em 1451. Era o filho mais velho de um acomodado tecelão e taberneiro. De suas atividades até aos 23 anos sabe-se apenas que cardara lã, manejara o tear e saíra para o mar. Sendo Gênova uma grande cidade-estado de comércio marítimo, cujo porto vivia coalhado de navios, um jovem ambicioso teria ali oportunidade de aprender as artes da navegação e da cartografia.
Existem relatos escritos de vários cruzeiros de Colombo, mas o mais feliz de todos foi o que o levou às praias de Portugal. Ia, como marinheiro, a bordo de um navio rumo ao Oriente quando o barco foi atacado e afundado por uma frota portuguesa. Embora ferido, Colombo jogou-se ao mar, nadando até à costa de Lagos, de onde mais tarde seguiu para Lisboa. Corria o ano de 1476. Lisboa era então um lugar excelente para todos os homens que sonhavam com o mar, pois para ali convergiam os marinheiros que se julgavam capazes de abrir novas rotas. Aí encontravam estímulo e abrigo os mais arrojados projetos de exploração. E era também onde se aprendia matemática, astronomia e construção naval — conhecimentos indispensáveis a um navegante completo. Colombo e o seu irmão Bartolomeu abriram um escritório para os desenhos de mapas e não se deram mal. Depois Colombo casou-se com uma rica herdeira que tudo fez para prende-lo à terra e converte-lo em pacato ornamento da comunidade.
Ele, porém, aferrava-se à sua idéia, ou melhor, à obsessão de que poderia chegar ao Oriente pelo caminho do Ocidente. Era um pensamento que o absorvia, não lhe dava trégua. Esta é a diferença entre Colombo e os seus contemporâneos. Estava convencido. Ele sabia. Queria partir. Mas seria forçado a esperar muito, antes que alguém se dispusesse a fornecer-lhe navios. E enquanto aguardava, falava de sua idéia a quem quer que quisesse ouvi-lo.
D. João II, Rei de Portugal, interessou-se pelo assunto e submeteu o projeto de Colombo a uma junto de sábios. Estes condenaram a idéia. O Rei, porém, só deixou de lado o genovês quando Bartolomeu Dias, dobrando o Cabo da Boa Esperança, abriu o caminho de leste aos fabulosos tesouros do Oriente. Desde então, D, João II se desinteressou por completo do caminho do Ocidente.
Quando lhe morreu a esposa, Colombo gastou a maior parte de suas economias nas suntuosidades do enterro. Em seguida, embarcou para a Espanha. Mas Fernando e Isabel, empenhados numa dispendiosa guerra com os mouros, deram apenas meio ouvido à proposta do genovês. A Rainha, entretanto, tomou-se imediatamente de simpatia por ele, concedendo-lhe uma pensão — espécie de depósito por conta de seus futuros empreendimentos — enquanto a junta de notáveis do Reino estudava o assunto.
A pensão não montava a muito, porém era suficiente para que o não desanimasse. Depois de um ou dois anos, porém, a pensão foi suspensa e ele foi obrigado a manter-se durante os oito anos seguintes com o produto da venda de livros e dos mapas que confeccionava, enquanto aguardava o fim da guerra com os mouros. Seus cabelos ficaram brancos e foi atacado pelo artritismo. Sua capa e os seus sapatos eram tão esburacados que não lhe permitiam sair à rua nos dias de chuva. Mas não desesperou e continuou a falar sempre no seu sonho.
Em janeiro de 1492, desiludido com a Espanha, resolveu tentar a sorte na França. Em caminho, fez escala num mosteiro junto ao porto de Palos de La Frontera, onde manteve longa conversação com um prior. Este, impressionado com os seus planos, conseguiu-lhe uma audiência com a Rainha. Embora os sábios de Isabel já houvessem anteriormente desaprovado a proposta de Colombo, a Rainha o ouviu atentamente e declarou que a idéia lhe era agradável. Achou, contudo, que o preço do descobrimento era um pouco alto: Colombo pedia para si e seus herdeiros o título de Almirante do Mar Oceano, o cargo de vice-rei de todas as terras que descobrisse e dez por cento sobre todos os tesouros que arrecadasse. Como Isabel fizesse restrições a tais termos, Colombo agradeceu-lhe a atenção e retomou o caminho da França. Depois de seis anos de espera, ainda não estava para regateios.
Entretanto, Luís Santágenel, que tinha a seu cargo o tesouro privado da Corte, incitou Isabel: "Seja qual for o dinheiro de que Vossa Majestade venha a precisar, eu o suprirei pessoalmente. Que pode Vossa Majestade perder? E considere o que pode ganhar em troca: milhares de convertidos à nossa Santa Fé, glória para a Espanha e ouro." A Rainha imediatamente despachou emissários em busca do viajante.
As três caravelas de Colombo — a Santa Maria, a Pinta e a Niña — eram barcos pequenos mas sólidos que, com bom tempo, faziam a média de seis a sete nós, podendo também navegar a remo durante as calmarias. Havia em cada nau uma cabina para o capitão, mas a tripulação dormia na coberta. Uma vez por dia fazia-se fogo no fogão a lenha, de onde saía a comida quente, recendente a alho, que era servida em dois turnos ao pessoal de bordo. Media-se o tempo por meio de ampulhetas que os serventes de convés viravam regularmente.
Nas três caravelas iam uns 87 homens, entre os quais três médicos, um criado para Colombo, um intérprete e um enviado da Rainha para inventariar o ouro e as pedras preciosas que fossem embarcadas. A música era provida principalmente pelos serventes do convés que entoavam canções populares quando serviam as refeições ou viravam as ampulhetas. À noite a tripulação se reunia e cantava hinos religiosos.
Ao contrário do que revela a maioria das histórias, esses marujos não tinham saído das cadeias da Espanha, se bem que um deles tivesse cometido um assassinato. Na sua maioria, eram bons rapazes de aldeia que haviam aprendido a arte de navegar saindo para o mar sempre que se lhes apresentasse uma oportunidade.
A perícia de Colombo, como marinheiro, tem despertado a admiração de quantos lhe sucederam nas lides da navegação. Cometeu alguns erros, é verdade, mas eles foram devidos em grande parte à falta de instrumentos adequados. Os portugueses, nas suas tentativas de descobrir a América, navegavam demasiadamente para o norte, onde os apanhavam os temporais bravios do Ocidente; Colombo, porém, rompeu diretamente para o sul, apanhando assim os ventos propícios que haviam de conduzi-lo para o outro lado do oceano. Levou exatamente 33 dias para fazer a travessia. Ao darem com as águas cobertas de algas do Mar de Sargaços, os outros capitães insistiram com ele para que mudasse de rumo e fosse à procura de uma ilha. Colombo, porém, manteve-se irredutível, e continuou a navegar na direção do poente. Só uma vez alterou o rumo no sentido do sul — isto para acompanhar um bando de pássaros que, em sua acertada opinião, devia estar voando rumo à terra. Não fora essa mudança de direção, a frota teria ido para nos recifes da Flórida.
A 10 de outubro, quando a tripulação, que nunca passara tantos dias velejando em alto-mar, ameaçou amotinar-se, ele a reuniu e prometeu: "Se dentro do dois dias não encontrarmos terra, voltarei."
A 12 de outubro, a flotilha pela primeira vez tocava terra na Ilha de Guanahani — do grupo da Bahamas — a que Colombo deu o nome de San Salvador (hoje ilha de Watlings, nas Bahamas). Ali ajoelhou-se para render graças ao Senhor, e com muita solenidade tomou posse da terra em nome dos Reis Católicos Fernando e Isabel. os naturais, nus, simples e amistosos, acompanharam atentamente a cerimônia.
"São tão ingênuos, tão livres e despreocupados do que têm", escreve Colombo, "que ninguém que possuem e mostram tanto amor no oferecimento que dir-se-ia porem na amizade todo o coração, e ficam contentes com a menor bagatela que se lhes de." Esses indígenas foram identificados como Tainos, raça já desaparecida.
A respeito dos dois primeiros dias em terra, escreveu Samuel Morison em sua biografia de Colombo: Assim terminaram às 48 horas da mais maravilhosa experiência já vivida por qualquer homem do mar. Outras descobertas terão sido mais espetaculares do que a desta pequena ilha plana e arenosa. Mas foi ali que o oceano pela primeira vez libertou a cadeia dos acontecimentos, como o profetizara Sêneca, e revelou o segredo que vinha desconversando os europeus desde que estes começaram a inquirir o que se ocultava para além dos horizontes ocidentais. San Salvador, surgindo do mar ao cabo de 33 dias de navegação para o poente, superava de muito as passadas aventuras. Cada árvore, cada planta em que os espanhóis punham os olhos, constituía para eles novidades, e os naturais — falando uma língua desconhecida, e diferentes de todas as raças de que tenha tido notícia os maiores iniciados em relatos de viajantes, de Heródoto a Marco Pólo — eram não somente estranhos, mas coisa com que absolutamente não contavam. Nunca mais poderá agora um mortal nutrir a esperança de recapturar o assombro, a maravilha desses dias de outubro de 1492.
De San Salvador, Colombo navegou para o sul, descobriu nove ilhas entre as quais Cuba, onde os homens fumavam charutos, colocando uma das pontas do nariz e inalando profundamente. Por fim, desembarcou em Hispaniola — a ilha em que se acham hoje situados o Haiti e a República Dominicana — e ali não pode mais conter a tripulação, que violentou mulheres e roubou-lhes ornamentos. Ali Colombo decidiu deixar em terra uma colônia de 40 homens num local a que deu o nome de Isabel, na costa setentrional da ilha. (Não tornou, porém, a vê-los e presume-se que tenham sido mortos pelos índios.) Colombo dirigiu-se então para o norte, aproveitando os ventos do oeste, e, por fim, chegou à Espanha.
O seu relato dando conta de sua aventura produziu sensação. Sua marcha triunfal pelas cidades espanholas, exibindo o ouro, os papagaios e os índios que seqüestrara no Novo Mundo foi o momento culminante de sua carreira. Mas quando se ajoelhou diante do Rei Fernando e da Rainha Isabel e eles o convidaram a sentar-se a seu lado, seu orgulho não teve limites. Deram-lhe tudo quanto tinha prometido e insistiram com ele para que se aprestasse para nova partida.
A prova do ovo de Colombo, de que tanto se fala, verificou-se por ocasião de um banquete que lhe foi oferecido pelo Grande Cardeal da Espanha. Um dos convivas, já embriagado, disse que se Colombo não tivesse feito a descoberta, outro, naturalmente um espanhol, a faria. Em resposta, Colombo apanhou um ovo e desafiou os circunstantes para o colocarem de pé sobre a mesa. Ninguém conseguiu e Colombo, com golpe suave, quebra ligeiramente a casca do ovo numa das extremidades e este se mantém na vertical. Fez assim compreender a todos que, uma vez mostrando o caminho, como ele o fizera, nada era mais fácil do que repetir a façanha.
De certo modo, a segunda viagem constituiu para Colombo um desastre, porque veio revelar o erro grave em que incorrera, deixando uma colônia em Isabel. Tornou-se evidente ainda que não sabia enfrentar a insubordinação e que tratava alternadamente os seus homens com demasiada brandura ou excessiva brutalidade.
Ao empreender a terceira viagem, foi acompanhado por um juiz que declarou culpado de vários crimes. Voltou para a Espanha a ferros, mas a Rainha, indignada com isto mandou pô-lo imediatamente em liberdade. Entretanto, quando Colombo reclamou o décimo que lhe fora prometido antes da primeira viagem, os Reis fizeram ouvidos de mercador. Finalmente, em 1502, deram-lhe quatro navios para a sua quarta e última viagem. Desta vez ele descobriu o continente sul-americano, mas em virtude de sua preocupação de encontrar uma passagem para o Pacífico, deixou para trás duas coisas que muito poderiam recomendá-lo à estima da Corte — os pesqueiros de pérolas nas costas de Honduras e uma das mais ricas minas de ouro do mundo. Ademais, os homens se amotinaram e por pouco não o mataram. Reduzido ao leito pela artrite, com os navios avariados, foi forçado a aguardar uma expedição de socorro.
Nesse ínterim, deixa de existir a sua boa amiga, a Rainha, e Fernando, que não morre de amores por ele, não tomou conhecimento de seus pedidos de dinheiro para pagamento da tripulação. Finalmente, ainda arrasado pela artrite, foi procurar o Rei. Fernando ofereceu-lhe em troca do título de Almirante do Mar Oceano e dos demais privilégios, um ducado lucrativo. Colombo recusou. Ou tudo ou nada. Ficou sem nada.
No fim de seus dias, pensava ainda haver atingido as Índias, e que o palácio do Grão-Cã devia estar em algum lugar na Costa Rica. Não queria apenas riquezas; queria também descobrir o caminho que o conduziria aos lugares referidos por Marco Pólo — aos palácios habitados por sutões, com todas as delícias e confortos da civilização.
Eis, em suma, a história do homem que acresceu, direta ou indiretamente, aos domínios da Espanha mais terras do que os seus reis jamais imaginaram existissem, e cujo descobrimento voltou para o Ocidente os olhares da Europa.
Morre Colombo aos 55 anos de idade, pobre e sem ter ninguém para lhe chorar a morte, porém a sua figura heróica cada vez mais se agiganta com passar dos séculos.

Bibliografia - Bartolomé de Las Casas

Os textos a seguir são importantes para o estudos sobre o Frei Dominicano Bartolomé de Las Casas.

OBRA COMPLETA
Editada por Alianza Editorial. Constará de 15 tomos. Patrocina la Sociedad Estatal V Centenario, la Junta de Andalucía y la Fundación del "Instituto Bartolomé de las Casas" de los Dominicos de Andalucía, que han preparado toda la edición. Falta el T.15, preparado por el Dr. Alvaro Huerga.
Tomo 1.
Tomo 2: "De unico vocationis modo... ".Edición preparada por el Dr. Paulino Castañeda y Antonio García de Moral, O.P.
Tomo 3: "Historia de las Indias". Tomo I. Preparada por el Dr. Miguel Ángel Medina, el Dr. Jesús Ángel Barreda, el Dr. Isacio Pérez Fernández.
Tomo 4: "Historia de las Indias." Tomo II. Por los mismos autores
Tomo 5: "Historia de las Indias. Tomo III. Por los mismos autores.
Tomo 6: "Apologética Historia Sumaria I". Edición de Vidal Abril Castelló, Jesús Ángel Barreda, Berta Ares Quija y J. Abril Stoffels.
Tomo 7: "Apologética Historia Sumaria. II". Por los mismos autores.
Tomo 8: "Apologética Historia Sumaria. III".,Por los mismosautores.
Tomo 9: "Apología=Contra persecutores ... apologia...". Edición de Ángel Losada.
Tomo l0: "Tratados de 1552. Impresos por Las Casas en Sevilla". Edición de los PP. Ramón Hernández y Lorenzo Galmés, O.P.
Tomo 11,1: "De Thesauris ... in Peru". Por Angel Losada, Martín Lasségue, O.P.
Tomo 11.2: "Doce Dudas". Edición de J.B. Lasségue, O.P.
Tomo 12: "De regia potestate" y "Guaestio theologralis". Edición de Jaime González Rodríguez , Antonio Enrique Pérez Luño para el "De regia...... Los PP. Antonio Larios Ramos O.P. y Antonio García del Moral, O.P., para la ' Quaestio theologalis".
Tomo 13: "Cartas y Memoriales". Edición de Paulino Castañeda, Carlos Rueda, Carmen Godínez e Inmaculada de La Corte.
Tomo 14: "Diario del primer y tercer viaje de Cristóbal Colón". Edición a cargo de Consuelo Varela.
Tomo 15.
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Economia Cafeeira

       A produção de café cresceu muito rapidamente durante todo o século XIX a partir da década de 1870-1880 o café torna-se o centro motor do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Este crescimento da produção cafeeira nessas décadas é acompanhado por um deslocamento do centro geográfico das plantações. Durante a década de 1880 a produção de SP ultrapassa a do RJ.
       A importância do rápido crescimento da produção e desse deslocamento geográfico só poderá ser entendida se considerarmos as simultâneas mudanças ocorridas ao nível das relações de produção, pois ao subir os planaltos de SP as plantações abandonam o trabalho escravo e experimentam uma certa mecanização (pelo menos para o beneficiamento do café).
       A possibilidade desse deslocamento é determinado pela construção de uma rede de estradas de ferro bastante importantes.
            O financiamento e a comercialização da produção implica no desenvolvimento de um sistema comercial relativamente avançado formado por casas de exportação e uma rede bancaria.
            É fundamentalmente por essas razoes que o café tornou-se o centro motor do desenvolvimento capitalista brasileiro. Iremos estudar agora essas características mais de perto.

1. Plantações 
1.1. Trabalho assalariado
            Com a imigração massiva, o trabalho escravo cedeu lugar ao trabalho assalariado nas plantações de café. Dois terços de imigrantes chegados de São Paulo são empregados nas plantações. Trata-se de um contrato de um ano, podendo ser rescindido pelas duas partes com um aviso prévio de um mês.
            Esse contrato previa o pagamento de um salário base proporcional do número de pés de café atribuídos ao trabalhador. A esse salário-base juntava-se uma soma variável em função da colheita obtida. O trabalhador comprometia-se a efetuar trabalhos exteriores à plantação. O preço da jornada de trabalho fora da plantação era fixado no contrato.
            Ao lado dessas retribuições monetárias o trabalhador recebia um pedaço de terra que podia ser cultivar por sua conta. O local desse terreno, assim como as culturas que nele podiam ser estabelecidas, eram precisadas no contrato. As culturas autorizadas eram milho, mandioca e feijão preto, isto é cultura de subsistência.   O produto dessas culturas era, em geral, inteiramente consumido pelo trabalhador e sua família. Os trabalhadores levavam ao mercado local o excedente da produção alimentar realizada na terra destinada a subsistência.
            Em vez de conceder ao trabalhador um pedaço de terra exterior às plantações, o fazendeiro podia autorizar o trabalhador a realizar culturas intercaladas. Esse sistema tinha a preferência dos trabalhadores, porque eles podiam, dessa maneira, manter com menos trabalho as duas culturas.
            Progressivamente, o sistema das culturas intercaladas tornou-se bastante raro. A interdição cada vez mais freqüente das culturas intercaladas aparece como um meio de aumentar a rentabilidade das plantações às custas dos trabalhadores.
            Essa tendência reforça-se com a crise de superprodução do café, que conduz ao aumento das taxas de exploração nas plantações. Ela é certamente estimulada com a chegada dos primeiros contingentes importantes de trabalhadores de origem brasileira, após a segunda guerra mundial.
            As migrações no interior do Brasil são uma conseqüência do próprio desenvolvimento das relações capitalistas que tinha como centro a economia cafeeira. Esse desenvolvimento traz com ele as estradas de ferro, que facilitam as grandes migrações.
            Até os anos 1920, os imigrantes de origem estrangeira são em maior número. E eles não aceitam sem luta a exploração à qual são submetidos. Essas lutas tomam as formas mais diversas, e muitas vezes violentas, dada a repressão exercida pelos fazendeiros que proíbem por exemplo, aos trabalhadores todo o direito de associação. É assim que as plantações são o palco de várias greves e que muitas vezes as divergências entre trabalhadores e fazendeiros ou seus administradores terminavam em tiros e assassinatos.
            Em razão das condições sociais e da remuneração, os trabalhadores ao fim do contrato de um ano, para procurar uma situação mais vantajosa nas novas plantações, nas cidades, ou mesmo em outros países da América Latina, como a Argentina.
            Ao examinar esse problema da indústria cafeeira, Dennis não em leva me consideração o fato de que essa industria é em grande parte o resultado da luta de trabalhadores que não aceitavam passivamente as condições de trabalho imposta pelos fazendeiros. Mesmo a mecanização parcial das fazendas não pode ser explicada se não considerarmos essa luta (nas formas mais diversas) entre o capital cafeeiro e os trabalhadores agrícolas.

1.2. Mecanização
            A substituição do escravo pelo trabalhador assalariado e o desenvolvimento das plantações de café em todo o Estado de São Paulo, acarretaram a mecanização de um parte da produção: as operações de beneficiamento.
            Após ter analisados alguns relatórios que insiste sobre as dificuldades dos fazendeiros para encontrar trabalhadores um fazendeiro chamado Taunay, inventor de uma máquina para o beneficiamento do café, afirma que a qualidade dos cafés de SP estava melhorando e ele atribui essa melhoria ao progresso no tratamento dos grãos imposto pela raridade da força de trabalho. Isso representava, diz ele um investimento importante mais rentável, porque o café tratado com máquinas era mais caro em cerca de 10% aos preços internacionais da época.
            Apesar de limitar-se às operações de beneficiamento, a mecanização não deve ser subestimada. Ela constituiu, de um lado, um meio necessário ao estabelecimento de plantações a distâncias muito grandes do porto de embarque. De outro lado apesar de a propriedade fundiária ter permanecido sempre o elemento principal que separava os trabalhadores dos meios de produção a mecanização desempenha também um papel importante nesse sentido Os produtos eram tratados e ensacados nas fazendas. A organização de uma plantação moderna implicava então na compra de um equipamento cujo preço ultrapassava largamente os recursos da massa de trabalhadores. Além disso, o funcionamento desses equipamentos supunha grandes plantações, capazes de fornecer uma produção suficiente para tornar rentável esses investimentos. Essa mecanização mesmo parcial representava um elemento importante do sistema de grandes plantações dominado pelo capital.
             Esse aspecto da economia cafeeira — a indústria cafeeira que caiu um pouco no esquecimento com o desenvolvimento posterior da indústria no Brasil foi muito fortemente assinalada pelos autores da época, como Pierre Dennis e também Delgado de Carvalho:
“A aparelhagem da usina de café atingiu um grau de per­feição muito notável em São Paulo. É hoje a indústria melhor organizada d& Brasil. As grandes fazendas de São Paulo são instalações modelo, que surpreendem o viajante estrangeiro e são dignas de figurar ao lado das indústrias mais bem aparelhadas da Europa”

1 - 3.   Estradas de ferro
O desenvolvimento da economia cafeeira não teria sido possível sem as estradas de ferro.. A antigas tropas de mulas não podiam escoar uma grande produção espalhada por milhares de quilômetros. Com as estradas de ferro as distancias deixaram de ser obstáculo importante. Todo o interior de São Paulo estava portanto apto a ser conquistado pelos “pioneiros” do café. As plantações não seriam mais esmagadas sob o peso de colheitas impossíveis de escoar
 A primeira estrada de ferro do café foi a Sociedade de Estradas de Ferro Pedro II, organizada pelo Governo do Império. Suas primeiras linhas começaram a funcionar no fim de 1859. Progressivamente ela foi buscar o café em todo o Vale do Paraíba e estendeu-se até o Norte de São Paulo e o Sudeste de Minas Gerais.
 A importância das estradas de ferro para a economia cafeeira pode ser ilustrada por esse cálculo de A. d’E. Taunay’ considerando que o preço do transporte pelo trem era seis vezes inferior ao das tropas de mulas, ele estima a economia entre 1860 e 1868, em 48.677 contos.
Em 1858, a São Paulo Railway Co. Ltd. era organizada na Grã-Bretanha. Ela foi encarregada de construir uma estrada de ferro ligando São Paulo ao Porto de Santos. Em 1867, a linha principal (Santos - São Paulo) entrava em serviço.
Outras companhias construíram estradas de ferro para, a partir de São Paulo, servir, todo o planalto. Essas companhias, organizadas pelo capital cafeeiro brasileiro. Seus principais acionistas eram os próprios grandes fazendeiros.
“Em 1879 — afirma Delgado de Carvalho — a zona cafeeira encontrava-se quase inteiramente coberta, mas a febre de construção, longe de diminuir, frente aos belos resultados que dava o transporte do café, procurava prolongar as diferentes redes ferroviárias”
O desenvolvimento das estradas de ferro era comandado pelos interesses dos administradores, produtores e comerciantes de café. Seu traçado, por vezes caprichoso e que será necessário corrigir ou suportar penosamente, depende da posição das maiores fazendas e da localizaØo das cidades do café”. Dos 736 km de estradas de ferro construídas no Brasil em 1868 eram “estradas do café”.
Com o rápido desenvolvimento da rede de estradas de ferro brasileira a partir de 1860  constitui-se uma infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do capitalismo, em particular na região cafeeira.

2. Capital cafeeiro
 O processo de transformação das plantações de café é também o processo de formação da burguesia cafeeira. O desenvolvimento da economia cafeeira é o desenvolvimento do capital cafeeiro Mas a economia e o capital cafeeiros ultrapassam largamente as plantações. A transformação das plantações faz parte de um processo mais amplo e não pode ser corretamente explicado isoladamente, Em particular, a natureza capitalista dessas transformações e o desenvolvimento do capitalismo que tem por base a economia cafeeira não pode ser determinada unicamente ao nível das plantações.
Desde o começo, os principais líderes da marcha pioneira não se limitaram a organizar e dirigir plantações de café. Eles eram também compradores da produção do conjunto de proprietários de terra. Eles exerciam as funções de um banco, financiando o estabelecimento de novas plantações ou a modernização de seu equipamento, emprestando aos fazendeiros em dificuldade.
Pouco a pouco, eles se afastam das tarefas ligadas à gestão direta das plantações, que são confiadas a administradores. Eles se estabeleceram nas grandes cidades, sobretudo em São Paulo. Suas atividades de comerciantes não se conciliavam com uma ausência prolongada dos centros de negócios cafeeiros.
A medida que a economia cafeeira se desenvolve, o papel das casas de exportação, centralizando a compra de toda a produção cresce. A importância dos capitais aplicados nessa esfera de economia está ligada ao nascimento dos primeiros bancos brasileiros. As operações comerciais explicam o nas­cimento e o desenvolvimento dos bancos.

2. 1 -    Diversos aspectos e aspecto dominante do capital cafeeiro
 O capital cafeeiro tinha portanto diversos aspectos; ele apresenta ao mesmo tempo as características do capital agrário, do capital industrial, do capital bancário e do capital comercial. Esses diferentes aspectos, correspondem a diferentes funções do capital e tendem, com o desenvolvimento do capitalismo, a constituírem funções relativamente autônomas, preenchidas por capitais diferentes — o capital agrário, o capital industrial, etc e frações de classe particulares (a burguesia agrária, burguesia industrial, burguesia comercial, etc.) - Na economia cafeeira, caracterizada por um grau ainda fraco de desenvolvi­mento capitalista, essas diferentes funções são reunidas pelo capital cafeeiro e não definem (pelo menos diretamente) frações de classe relativamente autônomas: não havia uma burguesia agrária cafeeira, uma burguesia comercial, etc., mas uma burguesia cafeeira exercendo múltiplas funções.
Mas se o capital cafeeiro exerce funções diversas, essas funções estavam estruturadas de uma maneira precisa. As diferentes funções exercidas pelo capital cafeeiro correspondem a relações reais que mantinham entre si relações específicas. A análise dessas relações faz ressaltar a dominação das funções comerciais.
A dominação do capital comercial explica-se pela posição ocupada pelo Brasil no seio da economia mundial. Dado o fraco desenvolvimento de suas forças produtivas, o Brasil se vê designado, na divisão internacional do trabalho, a posição de país exportador de produtos agrícolas. Esse efeito do desenvolvimento das relações capitalistas mundiais (sobre as condições próprias da estrutura econômica brasileira, isto é, um capitalismo ainda fraco) manifesta-se por uma dependência em relação ao mercado mundial. Essa de­pendência vem reforçar o papel dominante do comércio na economia cafeeira e na economia brasileira em geral

3. Desenvolvimento da Economia cafeeira no inicio do século XX
3.1.      Superprodução
O problema da superprodução de café apareceu desde o final do s&ulo XIX. Em 1882, a produção mundial havia ultrapassado o consumo mundial. Com a crise de 1893 nos EUA o, principal consumidor do café brasileiro, os preços desse produto no mercado mundial caem rapidamente.
A política inflacionária seguida pelos primeiros governos republicanos e a rápida desvalorização da moeda brasileira que acompanha a inflação, permite à burguesia cafeeira amortecer os efeitos da baixa dos preços. Dessa maneira a burguesia cafeeira distribui sobre o conjunto da economia brasileira os efeitos da baixa dos preços.
Contudo, essa política inflacionária tinha limites muito estreitos. De um lado ela acarretava o aumento dos preços dos produtos importados e portanto, nas condições da economia brasileira da época, uma alta geral do custo de vida. Em conseqüência, a burguesia cafeeira encontrava a oposição de to­das as outras classes que não a burguesia agrária exportadora, desde os importadores aos trabalhadores passando em particular pela pequena burguesia urbana. De outro lado, se o aumento do volume das exportações não era tão forte que pudesse compensar a baixa de preços, o governo federal encontrava-se em má situação para controlar o serviço das dívidas,, que devia ser pago em libras.
A desvalorização monetária, do mesmo modo que as taxas alfandegárias sobre as importações, não pode ser um meio eficaz de amortecer os efeitos da queda das cotações internacionais do café senão dentro de certos limites. A saída consiste em uma operação de funding-loan. Após essa operação, o pagamento dos juros das dívidas antigas é suspenso por um período de 13 anos.
    É a partir do momento em que o mecanismo das trocas mostra-se incapaz de amortecer os efeitos da queda dos preços que o problema de superprodução passa ao primeiro plano ou em outros termos, que a burguesia cafeeira toma consciência da existência desse problema e da necessidade de resolve-lo. 
      Só que o funding-loan é uma medida provisória um meio de por em ordem as finanças de uma nação. Mas uma vez resolvido esse problema, falta resolver o essencial: o problema da superprodução.
      A superprodução aumentava sempre a partir de 1897, porém a colheita de 1906/1907 foi particularmente grande: ela ultrapassou os 20 milhões de sacas.

3.2.Valorização
 No início do mês de fevereiro de 1906, a grande burguesia cafeeira, definiu os fundamentos de uma nova política de defesa do café. Era o  início da “valorização” cujos principais objetivos são assim resumidos por Furtado:
- compra dos excedentes pelo governo para restabelecer o equilíbrio entre a oferta e a demanda;
- financiamento dessas compras por empréstimos de bancos estrangeiros;
- pagamento do serviço desses empréstimos através de um novo imposto (fixado em ouro) sobre a exportação de café;
- adoção de medidas destinadas a desencorajar a expansão das plantações.
Essa política audaciosa não foi adotada imediatamente pelo governo federal. Essa hesitação pode ser, em grande parte, explicada pela posição de Lord Rothschild, que se declarou publicamente contra a sua aplicação. ‘Ele pensava que caso a política de valorização fosse aplicada o governo brasileiro não estaria mais em condições de cumprir as obrigações assumidas em 1898 (funding-loan).
Dada a larga autonomia concedida pela Constituição de 1889 aos governos dos Estados federados — que os autorizava entre outras coisas, a fixar e recolher os impostos sobre as exportações e a contrair empréstimos no estrangeiro — a grande burguesia cafeeira pôde aplicar essa política imediatamente através do Governo do Estado de São Paulo. O financiamento externo foi conseguido, junto a outros bancos que buscavam seu espaço na economia brasileira.
Dessa maneira, a burguesia cafeeira impunha indiretamente ao conjunto do país a política que ela havia definido. O governo central terminou chamando para si a “valorização” para não perder todo o controle sobre a política econômica nacional.
A revisão dá posição do governo federal brasileiro é acompanhada pela revisão da posição de Rothschild, que, uma vez a “valorização” aplicada por São Paulo com o apoio de outros bancos estrangeiros, decide contribuir também para seu financiamento. A “valorização” parte a pleno vapor e com ela toda a economia brasileira, durante os próximos decênios.
A valorização tem como resultado principal o prosseguimento do desenvolvimento capitalista.
A partir de então o desenvolvimento capitalista, assegurado pela “valorização”, é acompanhado por uma participação mais direta do capital estrangeiro. - A partir da “valorização”, a realização da mais valia torna-se praticamente impossível sem o financiamento dos bancos estrangeiros. Assim o capital estrageiro torna-se dominante ao nível da comercialização do café.
 Os bancos nacionais e estrangeiros, desempenham um papel importante no desenvolvimento capitalista no Brasil. Rapidamente eles penetram em todos os setores da economia brasileira, financiando as atividades mais diversas: o comércio, a importação, a exportação, o açúcar, o café e também a indústria.
“São eles que adiantam o dinheiro necessário ao financiamento da indústria, do. comércio e da agricultura, que entram em relação com os compradores e vendedores no estrangeiro, que encaminham os investimentos estrangeiros, que dominam e dirigem toda a vida econômica do pais”
Durante a primeira guerra mundial, os bancos recebem um novo impulso. Os capitais até então aplicados nas atividades de importação e exportação convergem para eles. O impulso industrial desses anos -  do mesmo modo que, mais geralmente, o dos três primeiros decênios do século XX — deve ser relacionado com a existência de um sistema bancário relativamente poderoso.
È necessário distinguir claramente as duas camadas da burguesia cafeeira para compreender os efeitos da “valorização”. Apesar dessa política ter sido apoiada pelo conjunto da burguesia cafeeira, seus benefícios são inteiramente diferentes se consideramos separadamente as suas duas camadas, A grande burguesia cafeeira, proprietária dos bancos e das casas de exportação, pode reservar-se uma parte cada vez mais importante do lucro realizado a partir da produção do café.
A valorização representa portanto o apogeu do período que estudamos aqui. Nesse sentido, parece-me errado ver nessa política um simples adiamento do fim da dominação da economia cafeeira sobre o conjunto da economia. Ela não constitui o começo do fim desse período senão na medida em que representa, de certa maneira, o seu estágio supremo.
A “valorização” e a economia cafeeira em geral não podem ser consideradas como um obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Bem ao contrário, eles estão na base desse desenvolvimento.

4. A questão da terra e da abundância de terras
Aparentemente, em um estudo sobre o café a questão da propriedade da terra deveria ser examinada em primeiro lugar. Quando se pensa no café brasileira, pensa-se imediatamente na terra e na propriedade da terra. Quando se fala em burguesia cafeeira, fala-se de fazendeiros. Estes, quando defendiam seus interesses não diziam defender os interesses da lavoura?
De fato, é mais correto expor essa questão após haver examinado aquelas que mostram mais claramente o desenvolvimento do capital na economia cafeeira. Em outros termos, a ordem de exposição deve corresponder à ordem real das relações de produção na economia cafeeira. Ela foi concebida dentro do objetivo de destacar o fato de que o desenvolvimento das plantações de café é dominado pelo capital, isto é, que ele faz parte do desenvolvimento capitalista. E finalmente, que as formas da propriedade da terra devem, elas também, explicar-se pelo desenvolvimento do capital.
As terras sobre as quais o café se estende são fundamentalmente de dois tipos: 1 — as terras que Já tinham- um proprietário (no sentido jurídico do termo); 2 — as terras que não tinham proprietário. As primeiras eram chamadas propriedades, as segundas terras devolutas. Literalmente: propriedades e terras não ocupadas. Na verdade, as terras ditas devolutas não são obrigatoriamente não ocupadas ou não apropriadas, no sentido econômico do termo. Simplesmente seus ocupantes não possuem títulos de propriedade. Essa “confusão” Jurídica não representa realmente uma confusão, nem é um fruto do acaso; ela indica a força das relações de propriedade estabelecidas pela colonização e consolidadas após a independência política; essas relações constituem o ponto de partida da expansão capitalista baseada no café. Uma terra que não tinha proprietário reconhecido juridicamente era considerada como uma terra não ocupada, uma terra que não pertencia a ninguém.
Na medida em que as fronteiras do café deslocam-se para o interior do país, a proporção das terras “devolutas” torna-se maior. Então os homens do café ocupam, apropriam-se dessas terras. Para fazer isso, era necessário estabelecer um título de propriedade, coisa fácil para a burguesia cafeeira, que controlava diretamente o poder. Como essas terras jamais haviam “pertencido” a alguém, a lei estava do lado do proprietário. Tratava-se simplesmente de expulsar os ocupantes. Se a resistência era muito grande, ela apelava para a milícia estadual ou mesmo para o exército.
Entre os ocupantes incômodos das terras desocupadas, ha­via brasileiros de origem européia mais ou menos distante (alguns já mestiçados com indígenas ou negros), que viviam fundamentalmente apoiados numa agricultura de auto-subsistência. Havia também indígenas. Esses últimos estavam nessas terras há séculos.  Já nessa época, métodos mais civilizados — como a disseminação de doenças contagiosas — eram utilizados para tornar o local disponível para o capital.
Quando o café encontrava no seu caminho terras que já eram propriedades, os proprietários dessas terras tinham, em regra geral, duas soluções: integrar-se na expansão cafeeira ou vender suas terras. Todas as duas conduziam ao mesmo resultado: a dominação do capital. Se eles participavam da expansão cafeeira, tomavam-se eles mesmos membros da burguesia cafeeira.
Caso contrário eles vendiam as terras; cujos preços tinham dado um salto fantástico com a chegada do café.
“A febre das plantações de café tiveram por primeira conseqüência a elevação do preço das terras. O crescimento do preço das terras ultrapassa toda medida... Fora das manchas de terra roxa, férteis e cobiçadas, os preços baixavam; permaneciam contudo dez vezes mais altos que em outras partes do Brasil meridional. O preço de compra de uma propriedade de 25 ha,, na qual uma família podia viver, ultra­passava os recursos da maioria dos colonos; eles deviam renunciar a se tornar proprietários.
A terra em si não tem valor, ela possui um preço na medida em que representa um meio que permite a apropriação da mais valia. O preço elevado da terra na região do café reflete a apropriação da terra pelo capital.
Como se sabe, um dos fatores considerados como responsáveis pela expansão cafeeira é constituído pela abundância de terras. Em conseqüência do que vimos até aqui, devemos considerar a abundância de terras como algo relativo. À abundância de terras para o capital está associada a não abundância para aqueles que devem constituir o mercado de trabalho.
Pelo menos nos primeiros estágios do desenvolvimento do capitalismo, a posse da terra é um elemento de primeira importância no que se refere à propriedade dos meios de produção e, portanto, à formação de um mercado de trabalho “livre”. A importância desse elemento decresce na medida em que o capitalismo se desenvolve no conjunto da economia e, em particular, no campo, eliminando econômica e socialmente a agricultura de subsistência e as formas primitivas de produção agrícola destinada ao mercado, nas quais o produtor assegura ele mesmo a produção dos bens — ou de grande parte dos bens — necessários à sua subsistência,
Com o desenvolvimento do capitalismo, a terra perde a sua importância como meio de produção, e a separação entre trabalhador e meios de produção depende cada vez menos da propriedade da terra.
Assim, nas fases iniciais do capitalismo não basta a disponibilidade de terras em geral, mas a disponibilidade de terras em particular para o capital, o que implica a não disponibilidade para os trabalhadores. Nesse caso poderíamos pensar que a disponibilidade de terras, mesmo sendo apenas uma disponibilidade relativa, seria em si mesma um elemento determinante das formas de desenvolvimento do capital.
Não podemos negar a importância da terra como elemento determinante das formas de desenvolvimento do capitalismo, em particular nos seus primeiros estágios. Viemos de afirmá-lo.Entretanto, essa importância apresenta-se em geral como manifestação de determinadas relações sociais, em particular de relações sociais pré-capitalistas, que constituem condições históricas para o desenvolvimento do capital. No que se refere aos países capitalistas avançados da Europa, por exemplo, a questão da terra apresenta-se através das formas de transição da produção agrícola feudal para a capitalista, onde destaca-se a chamada economia camponesa.
O que chama a atenção no caso brasileiro é a aparente ausência de determinantes sociais na questão sobre a abundância de terras.
Examinemos então mais de perto esse problema. É óbvio, -mas não inútil, lembrar que a quantidade de terras é função da extensão do território que consideramos. Não é inútil lembrar esse aspecto da questão porque ele nos conduz direta­mente ao fato de que esse território é limitado socialmente; no caso, ele é o espaço sobre o qual se desenvolve o capital.
Inicialmente esse espaço (sobre o qual o capital desenvolve a produção capitalista) é reduzido. O capital “concentra” as suas atividades ao nível de um espaço reduzido que serve de base física ao estabelecimento da nação. É nesse espaço que, em regra geral, se resolve o problema da disponibilidade da terra, que é historicamente limitada por uma ocupação prévia do solo sob o domínio de outras relações sociais de produção de cuja desagregação — aliás — resulta o próprio capitalismo.
Na época da expansão cafeeira do Brasil, o capitalismo desenvolve-se sobre outras bases. Em primeiro lugar, a produção capitalista rompe os limites dos territórios nacionais. Donde a importância de destacar a relação entre disponibilidade de terras e a extensão do território sobre o qual se desenvolve a produção capitalista. Mas esse elemento ainda não é suficiente para resolver o nosso problema.
Em segundo lugar, a constituição de unia economia mundial capitalista permite que o capital passe a desenvolver a produção em lugares onde não se constituíram condições outro­ra necessárias ao seu desenvolvimento. Em particular, o seu desenvolvimento não depende mais unicamente da divisão do trabalho ao nível nacional, mas ainda da divisão internacional do trabalho. Podemos afirmar que o marco de referência da acumulação de capital não está mais essencialmente no desenvolvimento do mercado interno, mas no desenvolvimento do mercado mundial. Com a seguinte ressalva: como já vimos anteriormente, o próprio desenvolvimento do mercado mundial capitalista entra em nova fase, com a constituição da economia mundial, isto é, com o desenvolvimento da produção capitalista em escala mundial. E o que nos interessa aqui não é o simples desenvolvimento do mercado, por mais importante que seja, mas especificamente a expansão do espaço sobre o qual se desenvolve a produção capitalista.
Essa segunda condição — na verdade, a outra face da primeira — é a principal no que se refere à abundância de terras. Ela nos mostra que é da transformação do capitalismo e da constituição da economia. mundial capitalista que resulta a questão da abundância de terras.. É o desenvolvimento internacional do capitalismo e a divisão internacional do trabalho que criam as abundantes terras do Brasil e alhures, permitindo, por exemplo, a especialização de vastas regiões, antes praticamente desocupadas, em determinadas monoculturas. Sem a divisão internacional do trabalho, o crescimento da produção de café — ou de qualquer outro produto — nos níveis realizados no Brasil implicaria um desenvolvimento do mercado interno tal que a questão relativa à disponibilidade de terras seria certamente eliminada.
No limite, poderíamos ser tentados a afirmar que o capitalismo pode então ocupar espaços completamente vazios, importando todos os meios de produção e toda a força de trabalho necessários. Tal afirmação significa levar a nossa tese ao limite do absurdo. Na verdade, ela não pode ser deduzida de nossa tese, dado que não afirmamos que o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial suprima a necessidade de condições prévias ao nível de cada nação especificamente. Tal conclusão implicaria numa concepção inteiramente abstrata da economia mundial capitalista, fundada na ilusão do desaparecimento das economias nacionais; quando, na verdade, a economia mundial 6 uma estrutura complexa formada pelas relações internacionais.
Afirmamos, entretanto, que o desenvolvimento da produção capitalista ao nível internacional implica em que, ao nível nacional, as relações entre, de um lado, a acumulação de capital e, de outro, o aprofundamento da divisão do trabalho e o crescimento do mercado são profundamente transformadas. E são essas transformações — na verdade, modificação das formas de reprodução do capital ditadas pela constituição de uma economia mundial — que se manifestam através de uma acumulação relativamente rápida em relação ao crescimento do mercado interno ou outras “deformações” do gênero atribuídas ao subdesenvolvimento.

Em conclusão, essas formas de desenvolvimento do capital, onde a acumulação apoia-se sobretudo em um desenvolvimento extensivo da produção — isto é, com pouco aprofundamento da divisão do trabalho ao nível nacional — não podem ser atribuídas simplesmente à abundância de terras, visto que a própria abundância de terras deve ser explicada por essas novas formas de acumulação determinadas pelas transformações do capitalismo e a constituição da economia mundial capitalista.
Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil 
Por Sérgio Silva. São Paulo, Alfa-Ômega